Um casal sonha explorar o mundo vivendo a bordo de um veleiro. Uma dificuldade se apresenta: a escolarização formal de seus filhos frente à legislação vigente. Um pai não concorda com o currículo ministrado na escola de seus filhos e acredita que pode oferecer, dentro do próprio lar, o conteúdo necessário para eles. Uma mãe descobre que seu filho sofre preconceito na escola que frequenta e quer lhe poupar esse sofrimento, enquanto outra família não consegue se organizar, considerando a instabilidade do calendário escolar nas instituições públicas, além da precariedade dos recursos materiais.
Os motivos acima são alguns dos que justificam a defesa da educação domiciliar ou homeschooling. Essa modalidade significa o direito de uma escolarização doméstica, onde os pais assumem o papel de professores, oferecendo a instrução moral, científica e filosófica, que entenderem mais adequada.
Esse assunto tem tomado conta das redes sociais em razão da medida provisória preparada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, onde se verifica grande desinformação. A própria manifestação da ministra Damares, que justifica o tema ser tratado pela sua pasta por ser uma "demanda da família", não tem colaborado com a clareza do tema.
Uma grande falha que se apresenta é a relação absoluta que é feita, nessa proposta, entre ensino e conteúdo, como se o currículo escolar se resumisse a isso. Nos dias atuais, com o acesso irrestrito na internet para a maioria, o conhecimento pode ser disseminado, embora apresente sérios problemas com sua cientificidade. Ignora-se nessa discussão o papel da escola como lugar de diversidade, sociabilidade e exercício de democracia, espaço que nenhum grupo ou atividade, até hoje, conseguiu substituir.
O STF, recentemente, entendeu que a prática exclusiva da educação domiciliar é ilegal, porém, ao contrário do que está sendo interpretado, não a declarou inconstitucional, referindo expressamente que uma lei tratando do assunto deveria ser editada. É o que o atual governo está agilizando, ainda que, há tempos, já exista mais de um projeto legislativo à respeito, em debate no Congresso Nacional.
Esse é um tema sobre o qual a sociedade deve se debruçar. A escola, há séculos, tem uma enorme importância institucional, considerando ser o segundo grupo social no qual uma criança se insere. O que se impõe com urgência é a reflexão sobre o monopólio da educação formal pelo Estado por meio da escolarização compulsória.
A proteção à criança e ao adolescente é dever da família, do Estado e da sociedade, e a educação, ao lado da saúde, são seus maiores bens a serem protegidos. Assim, cabe a todos nós a responsabilidade de conhecer, refletir e opinar sobre essa questão. Não há desculpas para a omissão, pois a reinvenção da escola ou a sua extinção implica diretamente na sociedade que teremos no futuro.